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A NOVA ESCOLA DO DESIGN CONTEMPORÂNEO

Responsabilidade sobre o impacto ambiental é assimilada por profissionais do setor

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O fortalecimento da preocupação com o impacto ambiental, aliado à crescente oferta de matérias-primas alternativas ou ecológicas, deu origem a um novo tipo de design de produto: o ecodesign. Segundo essa concepção, todas as funções requeridas do profissional da área devem estar essencialmente voltadas ao desenvolvimento de produtos com maior relevância para as pessoas e um processo

que cause o mínimo abalo no ambiente. O impulso nas vendas das empresas passa a ser não o objetivo final, mas uma consequência desse trabalho. Com o aquecimento da economia e a maior demanda das empresas e consumidores pela inovação, aumentaram as exigências em relação a essa atividade, que, por sua vez, cresceu em importância, tornando-se relevante para o posicionamento estratégico das companhias no mercado. Somado a isso, a crise ambiental alertou para uma nova e imperiosa responsabilidade: alterar os padrões de produção e consumo, assim como a aplicação intensiva de recursos naturais para poupar o planeta

Da metalurgia ao setor moveleiro, isso significa que o designer de produto deve incorporar essas questões a suas tarefas habituais, ou seja, conceber, desenvolver e produzir um objeto original; tornar seu aspecto atraente, mas manter o preço acessível, a qualidade e a funcionalidade; destacá-lo em meio a uma sociedade de consumo massivo, constantemente bombardeada por uma infinidade de informações; garantir a fidelidade do cliente frente à alta competitividade do mercado e, quando o ciclo estiver completo, começar tudo outra vez. No Brasil, um país com tradição artesanal e vocação para o uso da madeira, dada a abundância de matas nativas e variedade de espécies, a valorização de processos produtivos ecológicos socialmente justos e economicamente viáveis tornou-se item cada vez mais importante para atacadistas, varejistas, exportadores e consumidor final. Os acabamentos de baixo impacto, o manejo sustentável das florestas e o uso de madeiras de reflorestamento e de demolição já se tornaram caminhos possíveis no setor mobiliário, por exemplo.

Se o uso de madeira certificada – com o devido selo que garante o controle ambiental na produção e um maior valor agregado às peças – nem sempre é uma solução provável para pequenos ateliês de design, porque ainda implica processos burocráticos e muitas vezes onerosos, a madeira de reflorestamento é uma opção recorrente entre fabricantes de todos os portes. Apesar de cultivada em áreas já desmatadas, acaba servindo de alternativa à madeira sem procedência comprovada ou retirada indiscriminadamente de matas nativas.

Outra matéria-prima de qualidade, com boa aceitação, é a madeira de demolição, resgatada de antigas estruturas em reforma ou em processo de derrubada. Um exemplo original é a produção do designer Hugo França, que orienta a sua criação de acordo com as formas naturais de sobras de madeira abandonadas ou descartadas. A conscientização dos profissionais brasileiros nessa área, ligada à sua criatividade, transformou o país em uma oficina do ecodesign, despertando interesse e reconhecimento por todo o mundo.

A longevidade do design

MESA LATERAL COSMOPOLITAN, DE PEDRO DIER

MESA LATERAL COSMOPOLITAN, DE PEDRO DIER

O uso de materiais menos poluentes e madeiras sustentáveis são a forma mais reconhecida de diminuir a pressão sobre as reservas florestais. No entanto, alguns designers contemporâneos vão além dessa atitude, assumindo responsabilidade também sobre outras mudanças fundamentais para garantir a sustentabilidade no setor. O intuito é estabelecer uma transformação mais essencial, concentrando-se nas causas da deterioração ambiental. A redefinição dos valores da sociedade de consumo é prioritária nessa agenda. E, embora pareça uma tarefa infinita, ela começa pelo pensamento do designer, que pode conceber produtos com foco em sua longevidade ou, quando não tiver mais utilidade, que estes sejam absorvidos ou reaproveitados pela natureza.

Esta é uma das preocupações que permeia o trabalho de renomados designers brasileiros, como é o caso do curitibano Pedro Dier. Seus produtos não são sustentáveis com o estereótipo que conhecemos, ou seja, produzidos com matéria-prima reutilizável, como bambu, papel, garrafa pet, madeira de demolição, etc. Carregam, entretanto, uma qualidade sustentável primordial: a durabilidade. “Acredito que seja cada vez mais crescente a demanda por produtos que tenham preocupação com um ciclo de vida maior e que possam gerar um valor afetivo com o usuário”, ressalta Dier, autor de uma marca de mobiliário cujas coleções Cosmopolitan e ClubSoda apresentam objetos charmosos e versáteis, que são contemporâneos ao mesmo tempo em que revisitam outras épocas. “Desde o início do projeto, penso em como minhas peças irão interagir com o usuário e assim serem realmente úteis. Isso combinado com uma produção em baixa escala, que resulta em produtos duráveis, resistentes ao tempo, e que possam passar de geração em geração. Hoje vemos móveis que não resistem mais de dois anos. Neste caso, não adianta se for produzido com madeira certificada. Claro que a certificação da madeira nobre ajuda, mas tenho minhas dúvidas se esse processo é mais vantajoso para o ecossistema ou para a indústria.” Em sua opinião, os pilares da sustentabilidade no design são: um bom desenho que integre sensações e funções, responsabilidade com mão de obra e fornecedores, materiais adequados, controle de desperdício e durabilidade. “Nem sempre a reutilização de materiais de reciclagem, como experiências de usar garrafa pet para fazer sofá, cama e outros mobiliários, é a melhor alternativa. Se ninguém for usá-los, é o mesmo que varrer lixo para baixo do tapete”, argumenta.

CLUBSODA, DE PEDRO DIER

CLUBSODA, DE PEDRO DIER

“Como designer, é possível também criar maneiras de se descartar um produto, como cuidar de sua desmontabilidade para facilitar a separação dos diferentes materiais para reciclagem.”

Sustentabilidade e estética na arquitetura

Aliar sustentabilidade e estética também na arquitetura é uma virtude explorada no trabalho do mineiro Tião Lopes. “As principais técnicas que utilizo são uma grande inércia térmica, a ventilação cruzada permanente e o pé direito alto, além de cores claras no teto e na fachada para aumentar a reflexão da luz e, assim, proporcionar a máxima luminosidade do ambiente”, descreve. Com 40 anos de experiência na área, Tião Lopes agregou, no decorrer da carreira, valores apreendidos em várias obras pelo país para aperfeiçoar seus projetos, vinculando-os ao conceito de sustentabilidade. O arquiteto destaca que, apesar do seu compromisso com a natureza, não deixa de se preocupar com a estética dos empreendimentos, segundo ele, uma necessidade humana. Neste âmbito, encontra inspiração nas obras de Lúcio Costa e da fase inicial de Oscar Niemeyer. “Sempre tive preocupação com a sustentabilidade nos meus projetos, desde minha formação na faculdade”, enfatiza. “Porém, foi na década de 1980 que consegui encontrar soluções estéticas e ambientais em meus desenhos”.

Em 1986, utilizou, pela primeira vez, a climatização natural do ambiente no Centro de Tecnologia do Maranhão. “Fiquei encantado com as construções antigas daquele estado e surpreso pelo fato de algumas casas não terem janelas, mas utilizarem bastante madeira para fazer a climatização natural do espaço”. Dois anos depois, projetou a biblioteca da Universidade Católica de Brasília com ventilação cruzada permanente. Outras possibilidades naturais por ele utilizadas são o pé direito alto, que propicia maior volume e renovação do ar, e a inércia térmica – que exige um estudo do sol para cada construção. “A maior vantagem dessas técnicas é a redução dos impactos ambientais, uma vez que as estruturas não precisam do ar- condicionado para climatizar o ambiente e a iluminação natural é a máxima possível”, conta Lopes.

Quanto à aceitação do mercado para projetos desse tipo, ele acredita que ainda existe certa resistência no Brasil. “As pessoas valorizam demais o ar-condicionado, que no país é uma questão de status. Mas as técnicas naturais que substituem esse aparelho reduzem em até 80% o consumo de energia elétrica, dado que não é levado em conta. Os arquitetos brasileiros precisam de um pouco mais de ousadia para por em prática essas iniciativas”. E acrescenta: “Culturalmente, copiamos as técnicas de países europeus, mas, em muitos casos, elas não são soluções para o nosso clima. É um desafio para o profissional de arquitetura descobrir esses recursos e trilhar um caminho correto entre sustentabilidade e estética”.

CRISTALEIRA COSMOPOLITAN, DE PEDRO DIER

CRISTALEIRA COSMOPOLITAN, DE PEDRO DIER

Teto verde

De acordo com levantamento realizado pela ONG GBC-Brasil – Green Building Council, a preocupação com construções sustentáveis está em franca elevação. No país, 23 empreendimentos receberam o certificado Green Building em 2010 e outras 211 construções terminaram o ano em processo de certificação. O documento atesta que as obras analisadas cumpriram os requisitos de sustentabilidade previstos pelo selo verde internacional Leed – Leadership in Energy and Environmental Design, o que fez com que o Brasil pulasse da 6ª posição, em 2009, para o 5º lugar, em 2010, no ranking dos países que possuem o maior número de construções sustentáveis em seu território. Quando o assunto são os “prédios verdes”, o arquiteto Tião Lopes acredita que se pode ir além do simples cumprimento de obrigações legais, empregando outros recursos para eliminar impactos negativos na sociedade. “Um prédio verde reduz em até 30% o consumo de energia, 50% o consumo de água e 35% a emissão de monóxido de carbono. Além disso, pode diminuir a poluição gerada pela construção e operação de um empreendimento, gerenciar resíduos de maneira correta, atuar na restauração de ecossistemas e garantir maior absorção do solo ou permeabilidade do terreno.”

Ecoprodutos

De olho na sustentabilidade, muitas empresas do segmento de utilidades domésticas e mobiliário incorporaram aos seus investimentos a pesquisa, o uso de novas matérias-primas e processos de produção alternativos. O objetivo é se destacar neste mercado em ascensão e estimular cada vez mais a consciência do consumidor em relação aos cuidados com o meio ambiente. O extenso leque de produtos recentemente lançados seguindo esses novos padrões mostra que as medidas de baixo impacto já se tornaram uma prática diária. O bambu é um dos materiais mais requisitados. Entre outras qualidades, sua árvore tem um período de crescimento rápido – cerca de três ou quatro anos – e vida longa, com média de 100 anos de existência. Possui um agente natural que combate e previne a proliferação de bactérias, tornando-o adequado para o aproveitamento em utensílios domésticos. Atenta a essas qualidades, a Casambiente lançou a linha ECO, com 46 produtos desenvolvidos com o bambu, entre eles saladeiras, bandejas, petisqueiras, tábuas de corte e descansos de panela. Outro admirador do material é o arquiteto Paulo Foggiato, que confessa ter um pacto pessoal de não agressão ao meio ambiente. Ele dedica todo o seu tempo a pesquisas sobre o uso do bambu em móveis e revestimentos, ramo da sua empresa, Oré Brasil, localizada em Curitiba (PR). Embora esteja situada em uma região tradicionalmente fabricante de móveis de pínus, a Oré aposta no uso do bambu como alternativa, visando uma produção sustentável que também agregue valor ao design brasileiro. “O material tem características mecânicas muito atraentes, que permitem criar peças delgadas e leves”, defende Foggiato. Sediada em Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, a <OU> Martiplast, por sua vez, procura inovar na tríade design, praticidade e preservação ambiental voltada à linha de utilidades plásticas. “Além dos cuidados para reduzir os impactos da produção no ambiente, a empresa investe na introdução de novas matérias-primas, que resultam no chamado plástico verde”, relata o diretor comercial, Juarez Martini. “Com até 40% de fibra vegetal na composição de cada produto, a linha ECO utiliza biopolímeros provenientes de fibras extraídas da madeira, cana-de-açúcar e coco, por exemplo.” No caso da Multiflon, referência na produção de utensílios para forno e fogão em alumínio antiaderente, com distribuição no Brasil e em mais de 10 países, a alternativa para adaptar- se aos procedimentos menos nocivos ao ambiente consiste em não utilizar processos químicos de abrasão. A iniciativa é pioneira na indústria brasileira. Outra medida incorporada às práticas da empresa é destinar todos os seus resíduos à reciclagem. Conforme cita o diretor, Rafael Franceschini, a nova linha de frigideiras da marca, Natural Ceramic, garante o cozimento saudável e, na fase de produção, destaca-se pelo reduzido impacto ambiental, devido à baixa emissão de CO2 na cadeia de produção. Além disso, a rápida propagação do calor no interior das peças garante a economia de energia durante o preparo dos alimentos.

Matéria da Revista HG Casa, publicação da Grafite Feiras, produzida pela ML Jornalismo

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