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OSCAR WILDE: O GRANDE PERSONAGEM DE SI MESMO

A melhor forma de você se livrar de uma tentação é cair nela. A frase de Oscar Wilde (1854-1900) resume a essência de seu célebre romance O retrato de Dorian Gray. Nessa obra-prima da literatura universal, que recentemente inspirou uma nova versão para o cinema, os personagens caem em todas as tentações, cedem ao desejo de se libertar das amarras e dos pudores sociais e assumem todos os riscos. “É uma forma de ironizar a hipocrisia da alta sociedade londrina”, observa o jornalista, escritor e professor universitário Marcello Rollemberg. “À luz do dia, respeitosos senhores, pessoas quase castas que, à noite, nas sombras, são absolutamente devassas. E há também a questão da vaidade – Wilde era um esteta, cultuava o belo antes de mais nada. Dorian Gray se mantém eternamente jovem e belo, enquanto o quadro com seu retrato recebe todas as impurezas e mazelas: o envelhecimento, a feiúra, as marcas dos ‘pecados’ e desatinos que ele comete”.

Autor de vários livros, entre eles Uma ponte para Londres, e tradutor e organizador de outros sobre Oscar Wilde, como A esfinge e seus segredos, uma seleção de aforismos, e Sempre seu, Oscar, uma coletânea de cartas, Marcello Rollemberg ressalta a agudeza de espírito do escritor para captar determinadas situações e transformá-las em arte de altíssima qualidade. “Como bom irlandês, ele tinha uma visão perspicaz das reações humanas e era nas peças teatrais, assim como no único romance que publicou, O retrato de Dorian Gray, que expunha suas ideias, colocando-as em movimento. Afrontava as normas sociais, mas com estilo. O leque de Lady Windermere, Um marido ideal e A importância de ser prudente, por exemplo, são peças cômicas que dissecam as confusões nas relações sociais e familiares. Salomé, seu último sucesso, enfoca o poder e a astúcia da mulher para envolver os homens. Apesar de apimentadas, as críticas eram feitas com tal sutileza que a sociedade achava divertido e conseguia rir de si mesma. Não se via ridicularizada, mas apenas ironizada, e aceitava”.

Wilde foi muito além do seu tempo, conforme enfatiza o jornalista. Com suas peças, chamava a atenção, lotava os teatros e ganhou muito dinheiro. Entretanto, essa mesma sociedade que o prestigiava, que se rendeu à sua inteligência e ousadia, acabou se sentindo agredida por sua vida pessoal e seu comportamento. “Ele ficou milionário com as peças e faliu com sua vida fora delas”, comenta. “Wilde foi o grande personagem de si mesmo. Na década de 90 do século XIX, Wilde viveu uma história assombrosa de ascensão, apogeu, declínio e morte. Foi um período intenso e curto. Casou-se, teve dois filhos, lançou suas peças, passou a ser admirado e colocado num pedestal nos salões londrinos, depois se envolveu com Lord Alfred Douglas, o Bosie, e essa foi sua grande perdição”.

Com seu romance escandaloso para a época, não só injuriou a sociedade vitoriana, cuja falsa moral condenava o sexo e o prazer, como afrontou a justiça, que reputava o homossexualismo crime passível de prisão. Incitado pelo próprio Bosie e achando-se inatingível, abriu um processo por calúnia contra o pai do rapaz, o Marquês de Queensberry, que o havia chamado de sodomita. Foi ao tribunal mesmo ciente de sua transgressão à lei. Queensberry conseguiu as provas e, de vítima, Wilde passou a réu, sendo condenado a dois anos de prisão e trabalhos forçados que o devastaram. Perdeu tudo: a mulher, os filhos, o dinheiro, a saúde, vivendo seus últimos dias praticamente de esmolas, da ajuda de amigos.

As cartas publicadas no livro Sempre seu, Oscar cobrem esses dez anos de glória e queda vertiginosa. Uma história mais dramática e pungente do que muitas concebidas pela ficção. A ideia desse volume de cartas, segundo o organizador Marcello Rollemberg, foi dar voz ao autor, permitindo aos leitores “ouvir” do próprio protagonista de tantas situações emblemáticas sua versão dos fatos. Wilde queria ficar famoso, célebre ou notório. Com suas peças, poemas, ensaios e o romance O retrato de Dorian Gray, conheceu a fama. Com seus epigramas perspicazes, tornou-se célebre. E com seu malfadado caso de amor com Alfred Douglas, ficou tristemente notório.

O legado artístico de Oscar Wilde inclui dramaturgia, romance, aforismos, poemas e contos interessantíssimos como O fantasma de Canterville – um fantasma que assombra as pessoas porque tem drama de consciência -, além das duas obras que escreveu na prisão: De Profundis, a longa carta a Bosie, e A balada do cárcere de Reading. Esse rico acervo ficou esquecido por muito tempo, sendo resgatado por seu filho Vyvyan Holland somente 50 anos depois de sua morte.

Oscar Wilde é um autor-personagem fascinante”, ressalta Marcello Rollemberg. “Era um observador atento, com um talento absurdo, do qual tinha plena consciência. A excepcional qualidade literária de sua obra, que é um retrato de época, e sua extraordinária história de vida – um homem que encantou a Europa com sua inteligência e acabou completamente derrubado, desprezado pela sociedade – são inspiração para um profundo estudo sociológico e antropológico. O escritor morreu aos 46 anos em Paris, sozinho, num hotelzinho de terceira categoria, e foi enterrado num cemitério para indigentes, de onde foi trasladado para o Père Lachaise em 1909, após todas as suas dívidas serem quitadas pelo amigo Robert Ross”.

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Revista Platero nº 17/março

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Resgate literário: Autor de O retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde ficou célebre pela qualidade de sua obra e notório pela paixão que o destruiu

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