Adeus, Tatiana…

O domingo ficou mais cinzento e triste com a notícia da morte de Tatiana Belinky. Em homenagem a essa grande escritora, que conhecia a alma infantil como ninguém, postamos nossa última entrevista com a autora, que sempre recebeu a Ml Jornalismo com muito carinho.Imagem

Criança quer emoção

“Escrever é meu passatempo, meu divertimento, coisa séria e coisa brincadeira. Desde muito pequena, desde sempre. Meu pai lia poemas para mim e ele era performático: interpretava e contava as histórias. Minha mãe cantava em russo e alemão, um repertório vastíssimo, com letras muito interessantes. E, por estranho que pareça, me lembro de tudo até hoje. Muita coisa eu traduzi e adaptei de cor, sem o original e sem saber sequer quem eram os autores. Tenho um gravador na cabeça.”

Assim teve início a trajetória literária de Tatiana Belinky, uma das mais inventivas escritoras de contos e poemas infantis, que os pequeninos chamam carinhosamente de ‘Tati’. Nascida na Rússia, ela chegou ao Brasil aos 10 anos de idade, trazendo como único bem, apertado ao peito, um livro do famoso Ivan S. Turguêniev (cujos contos depois traduziu, como o comovente Estorinha de caçador). Aqui estudou, casou, teve filhos, netos e bisnetos, e nunca parou de trabalhar, sempre às voltas com os livros e as crianças. Dona de uma memória invejável, ela se prepara para comemorar 91 anos em 18 de março próximo, com a mesma alegria e jovialidade que tinha aos 21. O segredo é “manter a cabeça funcionando”, revela. “À noite, durmo pensando nos versinhos que vou escrever no dia seguinte”.

Mesmo convivendo com as crianças há tanto tempo, a escritora ainda se encanta com suas atitudes e observações inesperadas. “Como são inteligentes! Pegam tudo no ar, ouvem, repetem e já sabem aplicar de maneira lógica. É fantástico! Muitas vezes vou fazer palestras em escolas e os alunos estão na maior algazarra, mas não deixo a professora pedir silêncio. Criança gritando e falando é como passarinho, eu acho ótimo. Agora, quando é hora de escutar, eles escutam e não interrompem. Eu pergunto: Quem consegue pensar alguma coisa sem palavras? Silêncio. E aí eles entendem o que costumo dizer logo de início: a palavra é a grande majestade. Sem ela nada feito, em língua nenhuma. Começam então as indagações, o bate-papo, eles se divertem e eu me divirto. Eu aprendo muito com aqueles catatauzinhos, eles falam cada uma…”.

Para Tatiana, as crianças são naturalmente espertas. São os adultos que às vezes atrapalham com aquela coisa de ‘pode, não pode’, ‘deve, não deve’, ‘é bom, é mau’. “Tem de deixá-las entender, pensar, abrir as asas, voar. Quando eu era pequena, gostava de fábulas, mas a tal da moral da história me irritava demais. Quer dizer que me contam uma história e depois me explicam o que eu tenho de entender? Eu achava isso um desaforo”. Livro bom para criança, a seu ver, é aquele de que ela gosta. “Não gostou, larga e procura outro, não precisa ler até o fim. Não esqueço um comentário que minha neta fez há muitos anos: Sabe, Tati, livro que não dá para rir, não dá para chorar e não dá para ter medo não tem graça. Criança quer emoção, não quer coisa chata”.

Rebelde e contestadora por natureza, a escritora conta que quando era menina queria ser bruxa e não uma fada boazinha. Tem até uma coleção de bruxinhas na sua sala. Mas aí ela conheceu a personagem Emília, de Monteiro Lobato, e ficou encantada; a boneca tornou-se sua grande inspiração.  E, no fim das contas, Tatiana foi convidada para fazer a adaptação do Sítio do picapau amarelo, de Monteiro Lobato, para a televisão, em parceria com o marido Júlio Gouveia. Ela escrevia os textos, ele era o diretor e narrador. “Júlio era bonito e tinha uma voz linda”, diz com seu sorriso maroto. O programa fez tanto sucesso que ficou 12 anos no ar.

Com mais de 150 livros voltados ao público infanto-juvenil, Tatiana Belinky tem inúmeros textos traduzidos e adaptados, histórias clássicas que recontou, narrativas e poemas próprios, ora reais, ora inventados, e até um autobiográfico, Transplante de menina, além de diversas traduções de consagrados autores russos e alemães, direcionadas ao público adulto. Só em 2009, foram publicados cerca de 20 títulos, entre eles A lição do passarinho; Um caldeirão de poemas (vol.1 e vol.2); ABC; Sapatinho de cristal, História de lobo, História de terror, Uma roupa muito especial e vários outros da coleção Tapete de histórias; Andrócles e o leão; A charada do gorducho; Rimas de ninar.

Ideias não faltam para uma autora com tão privilegiada imaginação. “Acontecem sempre tantas coisas, é só prestar atenção, ficar de ouvidos e olhos bem abertos e depois escrever como se você estivesse contando aquilo. Meu trabalho é meu hobby predileto. Faço porque gosto e gosto do que faço! É uma sorte. Tenho tantas histórias para contar…” E há ainda tantas histórias lindas de Tatiana para serem contadas…

Entrevista feita por Lays Sayon Saade para a revista Platero, da Livraria Martins Fontes/2011

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17/06/2013 · 4:48 pm

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